Trabalho: O Conceito de História na Antiguidade

1.    Introdução

O conceito de história na antiguidade se tornou uma discussão entre gregos e romanos, pois eles discordavam entre si sobre o que seria a História e qual era a finalidade dela. Heródoto, Tucídides, Políbio e Cícero – os três primeiros eram gregos e o último era romano – fizeram parte dessa análise do conceito de história – entre outros historiadores antigos -, guardada as diferenças entre suas visões, pode-se dizer que concordavam no fato de que escrever os fatos acontecidos fariam com que os mesmos não caíssem no esquecimento.
Cada historiador antigo tinha seu método de escrita e suas diferentes visões sobre o que falar e por que falar. Inicialmente a grande discussão era sobre Logos e Ergon, e essa se deu – indiretamente -, principalmente, entre Heródoto e Tucídides. Logo depois veio a questão da utilidade da visão e audição para a escrita da História, ou seja, como lidar com a veracidade dos testemunhos e livros escritos anteriormente por outros historiadores.
Heródoto com seu caráter de simplesmente escrever as coisas e não se preocupar com veracidade delas, inclusive falando sobre o grau de confiabilidade dos testemunhos. Tucídides, contrário ao caráter retórico da história e contrário a Heródoto, se preocupava muito mais em escrever a verdade do que com as palavras. Políbio, foi um defensor da questão da diversidade de materiais para se estudar, defendia que o certo seria ter diferentes relatos e testemunhos para se analisar criticamente os acontecimentos. Salústio extingue o abismo entre Logos e Ergon, de forma que a relação entre Res/Verba ganha novos horizontes. E por fim, Cícero, o mais reputado dos oradores romanos, diz que a história é a mestra da vida e foi um grande admirador de Heródoto e Tucídides, porém discordava da forma rude da escrita deles.
Nesse trabalho irei analisar com a ajuda de uma bibliografia de apoio as nuances dos conceitos de História na antiguidade.






2.    Os Historiadores, suas metodologias e tipos de escrita.

                  2.1.  Heródoto

Heródoto, conhecido como o "Pai da História” – denominação dada por Cícero -, autor do livro “História” onde relata sua visão sobre as regiões as quais visitou, relata também as guerras Greco-pérsicas mostrando seus principais episódios.
Heródoto escreve seu livro para que os acontecimentos não caíssem no esquecimento, como ele mesmo afirma no livro I:
“Ao escrever a sua História, Heródoto de Halicarnasso teve em mira evitar que os vestígios das ações praticadas pelos homens se apagassem com o tempo e que as grandes e maravilhosas explorações dos Gregos, assim como as dos bárbaros, permanecessem ignoradas; desejava ainda, sobretudo, expor os motivos que os levaram a fazer guerra uns aos outros.” (p. 1 – Livro I - Heródoto)
Heródoto tinha seus princípios ao relatar os fatos em seu livro
“Os dois princípios aos quais Heródoto mantém-se consistentemente fiel [...]. O primeiro é o dever de dar prioridade a registrar e não a criticar. [...] O segundo princípio é a separação daquilo que ele viu com os próprios olhos daquilo que ele ouviu.” (p. 62, Momigliano).
Ele inclusive relatava o grau de confiança de seu relator quando o mesmo contribuía com alguma informação para a sua escrita.
Conhecer países estrangeiros para diversificar e conhecer os acontecimentos históricos era uma das práticas de Heródoto. Por isso ele expunha sua opinião sobre a confiabilidade dos relatos e dos acontecimentos.
“A tarefa de preservar tradições implicava a intenção de descobrir novos fatos. Juntos comportavam uma nova abordagem metodológica em que a confiabilidade da documentação era mais importante do que a avaliação racional das probabilidades”. (p. 63. – Momigliano)

Optou por fundamentar sua história por relatos de via oral e não por documentações escritas, como diz Momigliano. Entretanto, mesmo sendo um homem único e importantíssimo, não foi considerado verdadeiro em seus relatos, muitos críticos posteriores a Heródoto criticaram-no suas mentiras sem levar em conta que Heródoto não “se responsabilizava por todas as histórias que contava.” (p. 67 – Momigliano). Essa crítica se deu em maior parte por Tucídides, historiador que tinha repudia por Heródoto, sua maior desavença com Heródoto se deu pela definição da certeza histórica.
2.2        Tucídides

Tucídides de Atenas, autor de História da guerra do Peloponeso, afirmava escrever a guerra e não sobre a guerra. Segundo Felipe Charbel, em seu livro Timoneiros – Retórica, Prudência e História em Maquiavel e Guicciardini a relação entre Logos (palavra) e Ergon (feito) é concebida de uma maneira peculiar. Por exemplo, em Tucídides fora:
“testemunha dos acontecimentos mais grandiosos e memoráveis que tiveram lugar na Hélade desde o fim da guerra de Tróia e por isso mesmo apto a elidir em sua exposição todo e qualquer desnível entre o que aconteceu e o que é apresentado discursivamente, compondo uma narrativa que é ela própria a presença da guerra, segundo o ideal do rigor (akríbeia).” (p. 152 – Charbel).
Dessa forma, ele acreditava o Logos substituía o Ergon, sendo a sua palavra o retrato da guerra, a sua palavra era a guerra em si.
Em dois aspectos Tucídides se assemelha a Heródoto ao compor sua escrita, primeiramente ele “não questionava a pressuposição de que a tradição oral era mais importante do que a tradição escrita.” (p. 70 – Momigliano) e em segundo lugar, ele confiava mais em seus ouvidos e olhos do que nos ouvidos e olhos de suas testemunhas. Ainda segundo Momigliano, Tucídides distanciava-se de Heródoto de três maneiras: assumia a responsabilidade ao registrar algo, muito raramente ele indicava com detalhes as fontes de suas informações e para Tucídides, o passado não é interessante e significativo por si mesmo, já para Heródoto o passado tinha significado por si mesmo.
Tucídides foi um historiador que se preocupava mais com a verdade do que com as palavras, dessa forma, fez com que a história não fosse somente alvo da retórica – principalmente os romanos que faziam da história uma retórica total ao privilegiar mais as palavras do que a verdade -.
Ligado mais a história política, Heródoto conseguiu fazer com que seus sucessores acreditassem que a história é história política, sempre se preocupando em relatar o dito dos líderes políticos, pois considerava a voz dos lideres, a voz do povo.
  

2.3.       Políbio

Segundo o autor Felipe Charbel, Políbio defende que o cotejamento de informações obtidas por meios orais ou pela leitura de livros não deve, porém, substituir a “investigação pessoal”. Políbio fora um examinador dos instrumentos geralmente usados pelos historiadores da época, a visão e audição. Ele afirmava que o melhor a ser feito era fazer com que a fonte de pesquisa fosse diversa, seja por via oral ou escrita, para que as diferentes visões sobre o acontecimento pudesse ser analisadas.
Para Políbio, a história era uma verdadeira ciência e tinha que ser estudada com amor à verdade e como já foi dito, necessitava de um exame crítico dos acontecimentos e relatos.
Ao contrário de Tucídides, Políbio não se limitou a dar importância somente à “história política”, ele discutiu questões políticas, militares e sociais. E não analisava tais fatos de forma cronológica apenas, mas analisava também as possíveis consequências.
Políbio achava que a história era algo passado que podia moldar o futuro constituindo assim, um aprendizado para as novas gerações.

2.4.       Salústio

Salústio, escritor latino, faz uma nova abordagem da relação entre Res/Verba.
“Salústio não recorre ao procedimento da autópsia como solução para seu impasse, que é tratado como tensão constitutiva, no que diz respeito à verificação das dificuldades de adequar palavras e fatos e de constatar uma apropriação que não seja tida como maledicente, partidária ou puramente laudatória.” (p. 155 - Charbel)

            A questão da virtus  - força, vigor - ganha um papel central na discussão de Salústio, pois para ele, a virtus é o que faz com que o homem se diferencie do restante dos animais. E para conseguir a credibilidade do leitor, Salústio defende que o discurso retórico necessita de uma verossimilhança alcançada pela virtus.




2.5.       Cícero.

Cícero, grande orador romano, em De oratore, “ele considera a especificidade do gênero história: ser uma construção de palavras e coisas devidamente ornada pela voz do orador [...]”. (p. 157 – Charbel). Ou seja, ele privilegiava o caráter retórico da história, dessa forma, uma escrita que não estivesse “luxuosa” não conseguiria despertar os sentimentos certos nos leitores.
Cícero nota que seus antecessores, principalmente os gregos, não tinham uma preocupação com as palavras a serem usadas. Cícero tem o desejo de trazer novos horizontes para a escrita da história, ele quer que a história deixe de ser uma “simples narração analítica dos fatos” (p. 16 – Ambrósio),
Para Cícero, segundo Ambrósio, o gênero para certo para a elocução da história tinha que ser da seguinte forma: próxima ao gênero dos sofistas e distante do gênero judiciário. Porém isso acarretava em dois problemas:
“O primeiro, de ordem retórica, pois a elocução da historia, como gênero demonstrativo, se afasta da elocução do gênero judiciário (Orator, 42 e 207). O segundo, de ordem prática, pois scribere historiam, como mostra o exemplo dos gregos, requer tempo e distância dos tribunais. Os loquentissimi homines romanos, ao contrário, dedicavam todo seu tempo e energia ao fórum.” (p. 18 – Ambrósio)

3.     O Conceito de Verdade para os historiadores na antiguidade.
A palavra que definia verdade para os gregos, era “aletheia” que significa “o não escondido”. Dessa forma, o conceito de verdade para os gregos estava associado àquilo que existe tal como é, está também associado aos fatos perceptíveis. Para os gregos, tudo que realmente é verídico tem que ser claro e disposto. Assim, a mentira para os gregos era apenas aquilo que não era perceptível ou aquilo que estava mascarado de alguma forma.
Para os latinos, a verdade era camada de “veritas” que estava agregado à exatidão, ao rigor de um depoimento, ou seja, refere-se a enunciados que dizem com exatidão as coisas tais como aconteceram. Dessa forma, quando a linguagem enuncia fatos reais, eles são autênticos. Já a mentira para os latinos se referia à própria mentira em si, à falsificação, pois para eles, ou o fato era real ou imaginário.
A grande diferença nesse conceito entre latinos e gregos estava no fato de que para os primeiros, a verdade estava relacionada ao relato das coisas enquanto no segundo estava relacionado às coisas em si.
4.        Conclusão
A escrita da História se deu por causa da necessidade do homem em falar sobre suas experiências: Os gregos que se apresentaram como testemunha ocular, como no caso de Heródoto, Tucídides e Políbio; E os latinos, se baseavam na escrita grega, porém impuseram em seus métodos a sua visão a par da importância da oratória.
A história “vem ao mundo” como simples investigação, pode-se notar isso em Heródoto, com os latinos ela “cresce” para narração. Para gregos e romanos a história servia para salvar os fatos do esquecimento - Heródoto, semelhantemente aos poetas, procurou salvar os fatos do esquecimento de forma que a memória fosse preservada e atribuiu a imparcialidade aos seus escritos, Heródoto respeitava os deuses e achava que somente eles alcançavam a verdade. Tucídides, também praticante da teoria de que a escrita da história salvaria os fatos do esquecimento, procurou separar sua escrita dos mitos gregos. -.
Diferentemente dos historiadores contemporâneos, os historiadores antigos achavam que história e poesia, história e retórica se completam e não se opunham como ocorre hoje em dia.
Dessa forma, muitos historiadores modernos e contemporâneos não consideram os historiadores antigos como historiadores veredictos. Já outros contemplam os historiadores antigos como grandes escritores e aceitam que eles foram de imensa ajuda para se entender os acontecimentos passados e para se estudar a própria historiografia.

5.  Bibliografia 
AMBRÓSIO, Renato. “Cícero e a História”. Revista de História. 147 (2002).
HARTOG, François. Os antigos, o passado e o presente. Brasília: Editora UnB, 2003, pp. 11-33.
HERODOTO. História. São Paulo: Ediouro, sd.
KOSELLECK, Reinhart. “História Magistra Vitae – Sobre a Dissolução do topos na história moderna em movimento”. In: Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC-Rio: Contraponto, 2006.
MIMIGLIANO, Arnaldo. “A tradição herodoteana e tucidideana”. In: As raízes clássicas da historiografia moderna. Bauru: Edusc, 2004, pp. 55-83.
SALÚSTIO. A conjuração de Catilina. Pretrópolis: Vozes, 1990, pp. 47-134.
TEIXEIRA, Felipe Charbel. Timoneiros: retórica, prudência e história em Maquiavel e Guicciardini. Campinas: Editora da Unicamp, 2010, pp. 159-210.
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: Hucitec: Editora da UnB, pp. 19-81.
HERÓDOTO. Biografia. Disponível em: <http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0345>. Acesso em: 10 de novembro de 2011.
TUCÍDIDES. Biografia. Disponível em: <http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0366>. Acesso em: 10 de novembro de 2011.
POLÍBIO. Biografia. Disponível em: <http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0557>. Acesso em: 10 de novembro de 2011.

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